
Na ‘religião’ isso é tanto quanto comum:
Deus sabe o que faz; Deus fecha uma janela mas abre uma porta; Deus escreve
certo por linhas tortas; e tantas outras que procuram dar uma lógica para um
momento não lógico. Essa resposta já foi dada por mim – várias vezes ainda!
Isso permanece conosco, em nossa lista de respostas prontas até que o inverso
chega, e essa frase ecoa em seu ouvido. Esse blá blá blá não ajuda tanto como você pensava.
O primeiro pensamento quando acontece com a
gente é sobre mérito, justiça. Fazemo-nos uma série de perguntas que são quase
retóricas, mas sem respostas: o que eu fiz para merecer isso? Porque justo
comigo? São questionamentos internos perturbadores – o Eclesiastes também tinha.
Talvez o medo de afirmar que possui questionamentos assim é o de ser julgado de
pouca fé. Erro. O oposto da fé é o medo, não a dúvida. Somos instigados a
pensar em toda narrativa Bíblica. Ter questionamento não faz de você um pagão,
ateu, sem fé.
Queremos explicar o que vemos pelo que não
vemos. Desejamos as razões metafísicas por trás dos fatos. Quase uma cabala
Judaica! O pior de tudo é que colocamos Deus como variável determinante dessa
equação. O que você não compreende, o ilógico, atribuímos à Deus. O Eclesiastes
não faz isso.
Em todo Eclesiastes quase não se encontram
essa preocupação com o invisível, com o que acontece nos bastidores. Ele se
concentra nos fatos, na realidade nua e crua. Ele não joga com sombras e
disfarces, somente do que é possível ser visto e que acontece “debaixo do sol,
iluminado pelo meio dia”.
O Eclesiastes utiliza para isso a palavra
vaidade. Mas essa palavra não chega à altura de satisfazê-lo, ele emprega o
superlativo (na língua portuguesa). O curioso, segundo Ed René Kivitz, é que o
hebraico, língua na qual o Eclesiastes foi escrito, não possui o recurso do
superlativo. Não podemos dizer ‘agitadíssimo’ em hebraico usando apenas uma
palavra. Ele utiliza a repetição para dar essa ênfase: vaidade de vaidade.
Esta palavra pode ser traduzida por fútil,
vão, passageiro, efêmero, inútil, sem sentido u significado, sentido
incompreensível, enigmático. Não que não haja sentido, mas é impossível
identifica-lo. Gosto de falar como ‘um monte de nada’ ou ‘tudo sem diferença
alguma’. Um exemplo simples é como se for realizar um saque de 800 reais em um
caixa eletrônico, e ficar pensando entre escolher notas de 50, 100, ou de 20
reais - o valor será o mesmo, esse
pensamento é vaidade. Claro que você vai ter mais volume se optar por valor de
cédula menor, mas o montante será o mesmo, não é o pensamento quanto utilidade.
Um exemplo é a morte prematura de uma
criança ainda na barriga da mãe ou um tsunami que varre uma cidade inteira.
Isso não faz o menor sentido! Aí vem os questionamentos sobre a existência de
Deus (e o problema do mal): Deus Existe? Então porque existem essas catástrofes
naturais?; Qual o sentido de existir Deus?; Por que meu filho que nem nasceu
morreu, Deus?. Tentar descobrir essas coisas é vaidade, segundo o Eclesiastes. Não
está errado questionar. O Eclesiastes mesmo nos mostra uma série de
questionamentos e ‘porquês’. O que ele fala é que a busca por isso se torna sem
sentido.
Geralmente, pensar nessas coisas, na vida,
no que tem ou não valor, razão, tentar achar lógica em tudo, implica em uma dor
insuportável. Essa é a principal razão de muitos se declararem ateus. Se a vida
fosse lógica, todas as gestações seriam iguais. Não que as gestações não tenham
um sentido, mas identificá-lo é impossível! Não possuímos algoritmos lógicos de
fábrica. Nosso DNA possui sim uma lógica, mas não são todos iguais.
A consequência de questionamentos
perturbadores somados com os jargões religiosos e o medo de ser um pecador por
possuí-los leva muitos à depressão (ou ao ateísmo, secularismo). Quando não
entendemos algo, é mais fácil dizer que não existe do que enfrentar (ou
assumir) a nossa incapacidade. Negar. Resolvido. Não conseguimos explicar
muitas coisas, quem dirá explicar Deus – e sua ação?
Como disse, é possível afogar todos esses
questionamentos e temores de várias maneiras, mas isso não resolve o problema
maior. Algumas tentativas são o ateísmo ou a religião (não digo Cristianismo
como relacional que é, mas religião).
A religião é uma tentativa de codificar o
mundo e identificar por que e para que as coisas acontecem, como acontecem e
são como são. O tráfico da religião é o negócio mais rentável do mundo. Quando
falo religião, não estou falando de cristianismo, estou falando da ‘condução
humana’ dos sentidos de alguns pilares do cristianismo e outras crenças.
Cristianismo não tem nada a ver com religião.
Das decodificações não escapam o diabo,
anjos, demônios, o homem e nem mesmo Deus. Há muitos que esperam da religião a
resposta para todas as perguntas e questionamentos. Egoísmo? Talvez. A maioria
de nós não entende as pessoas, políticos, esposa, marido, filhos, amigos e nem
a si mesmo. Como podemos ter a pretensão de entender Deus? Religião? Para, né!
O fato de não explicar Deus e sua ação não
quer dizer que ele não exista. Uma tentativa seria uma teoria. E de teoria
estamos fartos! Não preciso nem citar exemplos e/ou segmentos que fazem isso.
Não é exclusividade do secularismo, ateísmo ou dos cientistas elaborarem
teorias para explicar algo.
O Eclesiastes nos convida a andar com esses
questionamentos, mesmo sem entender. O que passa e o que não, não é
exclusividade nossa. As perguntas doem. Menosprezar a angústia existencial é
uma opção eficiente para se livrar do incômodo, mas é covardia.
Ele descreve a vida como ela é. Ricos,
poderosos, pobres e escravos vão todos para o túmulo. Essa reflexão será
encerrada com a citação de Ed René Kivitz:
“Ver um cachorro correr atrás do rabo é
sempre divertido, mas não é assim com pessoas que correm atrás do vento. Isso é
vaidade. E se não for vaidade? Então, é absurdo. Tem escapatória? Não sei.
Talvez a própria tentativa de responder essa pergunta não passe de uma
tentativa absurda de dar consistência à névoa de nada.”
Ed René Kivitz – O Livro mais mal-humorado
da Bíblia.
Imagem disponível em mamswojezdanie.wordpress.com
Por: Félix Martins Lírio